O valor do pão francês



Gabriela Morais Allain

— Por que a senhora Berenice não está aqui conosco?

— Ela não conseguiu tirar folga no trabalho. De qualquer maneira Doutor, não quero rodeios! Quanto tempo ela tem?

— Seis meses.

— Seis meses? Mas é muito pouco! Como vou dizer a ela, Doutor?

— Sei que é muito difícil. Gostaria realmente de poder ajudá-lo, mas a esta altura, não há nada que possa ser feito. A situação de sua esposa está bem complicada. Tentei ganhar mais tempo, porém, infelizmente, é só isso que a resta.

— Como assim não há nada que posso ser feito Doutor? É a vida dela! Seis meses é muito pouco! O senhor tem certeza de que não tem mais nada que possa ser feito?

— Seu Dorival, vá para casa e dê a notícia para sua mulher. É o melhor que o senhor tem a fazer no momento. Entrarei em contato se houver qualquer mudança. Passar bem e boa sorte.


Algumas horas depois:

— BERENICE! — disse Dorival, correndo para abraçar a esposa.

— Fala logo, Dorival! Quanto tempo eu tenho?

— Seis meses, meu amor, seis meses... — respondeu Dorival ainda de cabeça baixa.

— Já esperava por isso. — disse ela abraçando Dorival.

— Mas eu ainda tinha esperanças Bê. E agora? O que vai ser de nós dois? Não vou ficar aqui sem você, de jeito algum.

— Calma, não precisa ficar aflito. Temos nossas economias, não vamos passar nenhuma necessidade. Já estava cansada mesmo desse lugar, no fundo no fundo eu estava louca para ir embora de uma vez.

— Você só pode estar maluca! Estava louca para ir embora? As nossas economias não são lá essas coisas, não juntamos quase nada mesmo trabalhando pesado esses dois anos, isso é mesmo uma desgraça! Eu pensei que voltaríamos ricos para o Brasil. E esse Doutor piorou ainda mais a nossa situação.

— Ele é um advogado, você quer mais o quê? Cobrar o “olho da cara” é o que eles fazem de melhor. Além do mais, precisávamos dele. Na verdade, se não fosse o Doutor, eu teria sido expulsa do país naquela mesma noite em que a imigração parou a nossa caminhonete.

— E agora? — perguntou Dorival novamente caindo na poltrona.

— Voltaremos para a casa de cabeça erguida. Também não estamos tão pobres assim. Demos sorte de passar esse tempo todo aqui, ilegal, e ainda sim não ter que voltar vestindo laranja no avião. Se alguém perguntar: nós cansamos. Pronto. — retrucou Berenice.

— Certo, sentimos falta do pão francês. — interrompeu Dorival.

— Das novelas da Globo.

— Do bolo de fubá da sua mãe.

— Do churrasquinho na laje.

Depois de uma longa pausa, Dorival completou:

— Vou comprar as passagens para semana que vem. Essa imigração que vá para o inferno com esses seis meses. Quero mais é comer o pão quentinho da padaria do seu Elias.

Isso eu fiz direito



Renata Allgayer

- Tu era bonita. Quando a gente casou, tu era bonita. Tá me ouvindo, Amália?

Fiz que sim com a cabeça.

 - Se pelo menos uma das nossas meninas fosse bonita que nem tu, ela podia casar com um doutor. Daí a gente ia ter uma vida boa. Mas elas não são. Nem isso tu fez direito.

Baixei a cabeça e olhei para os meus sapatos.

- Ah, Amália, imagina só, se uma, só uma delas, casasse bem. A gente ia mora num casarão daqueles. Amália. Amália! Olha pra mim!

Lentamente levantei a cabeça.

- Olha essa foto, tu era bonita mesmo. Tinha uns olhos lindos, bem verdinhos, pareciam dois limões. Nem isso tu fez direito, elas têm olhos comuns, marrons. Nem isso, Amália. Tu lembra quando tu era nova? Tudo mundo queria te namorar. Se eles pudessem te vê hoje, iam dar graças a Deus que tu não quis eles. É, graças a Deus. Eu que fui burro, casei contigo.

Caminhei até a pia da cozinha enquanto ele enchia mais um copo de cachaça.

- E agora? Me diz o que a gente faz? Três filhas criadas em casa e nenhuma casada. Nem isso tu fez direito. Amália! Que que tu ta fazendo? Olha pra mim quando eu falo contigo!

Eu olhei e fui ao encontro dele.

- Que que é isso mulher? Que tu tá fazendo? Amália! Tu tá louca? Amália! Não! Amália! Amália...