E se ela se cansasse?

Fabricio Bernardo Pereira



Numa manhã ensolarada de verão, ela percorria lentamente o corredor principal. A porta do quarto de número quarenta estava entreaberta. O ar condicionado deixava o cômodo gelado, e o cheiro de urina e antisséptico impregnavam o ambiente. Deitado de lado, o velho homem só percebe sua companhia quando ela se senta na poltrona à sua frente.

Ainda acordando, levemente drogado, ele demora a reconhecer a visitante. Então se dirige a ela: “ah, você chegou... Apesar de tudo, não esperava que viesse tão cedo. Já está na hora?”

Sem responder à pergunta, com o corpo jogado e os braços caídos ao lado do assento, a cabeça apoiada no encosto, ela olha para o teto por longos minutos. Com um profundo suspiro, ajeita o corpo, apoia as mãos nos braços da poltrona e se levanta cuidadosamente. Estende a mão direita, convidando o velho a se levantar também. Sem serem vistos pela enfermeira que acabara de entrar, os dois saem do quarto e caminham lado a lado, rumo à saída do Hospital.

No dia seguinte, a Ceifadora tomava sua decisão: o mundo poderia suportar algumas horas sem ela. De pé, encostou a foice na parede de tinta descascada do hotel. Retirou os trapos que lhe cobriam o corpo, e os jogou no chão, espantando uma barata. Então saiu a caminhar. Primeiro sem destino, depois rumo à orla. Tomou um ferry, desembarcando alguns minutos depois na Ilha da Liberdade. Deitou-se embaixo da imóvel figura verde, e a observou detidamente: na mão direita estendida a tocha, na outra a tabula ansata. Uma corrente quebrada sob seus pés.

Continuou observando-a, e os minutos se tornaram horas. As horas, dias. Em certo momento, ouvia a conversa de um casal que sentara à sua frente: “É verdade!” dizia o rapaz. A namorada, disfarçando um bocejo, tentava prestar atenção na longa história. “Ela estava desenganada pelos médicos há meses! Saiu ontem do hospital, andando com as próprias pernas. E aquele garoto do México”, continuou o jovem, “que foi atropelado por um ônibus, saiu da UTI depois de dez dias. Os médicos disseram que era um milagre. E não é só: eu li ontem que são dezenas de outros casos em todo o mundo!”, tagarelava o garoto, de forma incessante.

Ela então se deu conta do tempo que havia passado. Tinha trabalho a fazer. Voltou ao quarto do hotel e vestiu sua roupa. Tomou a foice da parede, sem se importar com as teias de aranhas que seguiam dependuradas no cabo. Olhando pela janela em direção à Lower Manhattan, falou baixinho para si mesma: “preciso recuperar o tempo perdido”. E naquela manhã ensolarada de verão, o primeiro avião atingiu a Torre Norte às oito e quarenta e seis. O impacto foi ensurdecedor. Às nove e três, o segundo Boeing atingiu a Torre Sul.