Rafael Zenato
Já era tarde quando encontrou Chico. Quieto, retraído, numa mesa de bar. Papel e caneta na mão.
- Vem cá, você não é o cantor, aquele?
Chico bebia uma dose de uísque num copo improvisado, daqueles de boteco. Levantou os olhos de curiosidade.
- Você é o cantor, sim. Olha bem pra mim. Aquele do olho azul, como é mesmo o nome?
Chico esboçava um sorriso, se divertindo com a dúvida do desconhecido. Seu uísque não tinha gelo. Nem uma pedrinha sequer.
- Caetano! É Caetano! Não, espera. Caetano é aquele outro, o baiano.
Os olhos azuis eram encarados com atenção pelo homem.
- Chico... Chico Buarque! Rá! Eu sabia! Muito prazer - e estendeu a mão.
Chico bebeu o último gole do seu uísque. Cumprimentou o homem.
- Muito prazer. E você, quem é?
- Ah, eu não sou ninguém, não. Sou um desconhecido. Tenho a minha família, meus filhos, essas coisas. Meu emprego, graças a Deus. Trabalho no ramo de construção, sabe? Essa casa aí do outro lado da rua, tá vendo? Fui eu que ergui. Quer dizer, não tá pronta ainda. Mas a gente tá erguendo, eu e os colegas aí.
- Bacana, bacana mesmo - respondeu Chico.
- Olha, desculpa eu me meter assim... mas o que o senhor tava escrevendo aí? É letra de música? - perguntou o desconhecido.
- É, é uma letra, sim. Uma canção nova que eu tô trabalhando.
- Sobre o que é? - perguntou o homem, curioso.
- É sobre você - respondeu Chico.
O desconhecido ri.
- Ah, você é um brincalhão, Chico. Não é à toa que é artista.
Chico rabisca mais um verso sobre o papel. O desconhecido estende a mão mais uma vez.
- Não quero atrapalhar, não, viu? Vou deixar você fazer a sua música. Foi um prazer.
Enquanto o pedreiro seguia em direção à rua, Chico murmurava, como se falasse com a folha de papel.
- Toma cuidado ao atravessar a rua, hein. Vê se não vai morrer aí na contramão.
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