Robson Cabral
Então eu nasci, ou tive consciência de que estava viva a partir do momento que meu corpo saiu de outro corpo, um ser oval, meio gelatinoso e transparente.
Rastejei um pouco e vi grupos de seres iguais a mim, de várias cores.
Me aproximei de uma dessas criaturas.
- Como você se chama?
- Nion. E você?
- Sou Fila. Tem tantos parecidos conosco aqui. Onde estamos?
- Vivemos entre botões de um teclado de computador.
- Quem sou eu e quem são esses outros?
- Você é uma bactéria. E todos esses outros são nossos irmãos.
- E o que fazemos aqui?
- Comemos essas pequenas coisinhas que você vê impregnadas nas paredes e nos reproduzimos.
Um brilho distante começou a surgir. Alguma coisa grande, branca e com textura cheia de risquinhos vinha de cima, apertava rapidamente aquilo que Nion chamou de botões, fazendo um som de baque e movendo as paredes ao nosso redor. Ouvi também o som de um atrito.
- E agora, o que é esse brilho todo e essa coisa grande que faz as paredes baixarem e levantarem e esses sons?
- Está amanhecendo Fila. E essas coisas brancas são os dedos de um humano usando o teclado. O som é ele comendo algo. Não vê que caem migalhas nas paredes ao nosso redor? É disso que nos alimentamos.
O dedo chegou muito próximo de onde eu estava.
- Posso me aproximar dele?
- Pode. Mais cuidado! Alguns de nós fizeram isso e nunca mais voltaram.
- Por quê?
- Porque eles entraram na pele desse humano e ali ficaram. Não sabemos ao certo o que fazem ali. Aquelas nossas irmãs verdes não conseguem mais entrar nele depois que a primeira fez isso.
- Entendi. E agora? O que eu faço?
- O mesmo que todos nós. Você se alimenta, em algum momento vai se reproduzir, vai continuar se alimentando, se reproduzindo e um dia vai morrer.
Dito isso, Nion começou a ficar muito transparente, a diminuir bem na minha frente e sua voz ficando mais fraca a cada instante.
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