Há dez meses não víamos uma gota de chuva na região, era a pior seca dos últimos quarenta anos. Os moradores da megalópole haviam até esquecido os dias difíceis de racionamento que experimentaram no ano de 2015. Naquela época o racionamento não era oficial, embora faltasse água diariamente na maior parte das residências.
Dessa vez, apesar de não
haver chuva, a água era abundante na casa do Senhor Tobias. Jacira aproveitara
para tomar banho e até lavar umas peças dos uniformes das suas crianças durante
a estiagem.Ela nunca tinha entendido direito o porquê da existência de água na
casa do seu patrão.
Mesmo a piscina foi usada
durante todo o período de estiagem. Ela ouvia às vezes umas conversas entre o
Senhor Tobias e Dona Mariela. E também entre a Julinha e suas amigas. Parece
que a água não faltava porque era ele quem promovia o fornecimento. Já fazia
dez anos que ele tinha saído da empresa de água, mas continuava a prestar o
mesmo serviço. E até ganhava mais, parecia, pois dava para ver pelas viagens,
carros e festas que faziam. O mais engraçado é que ele trabalhava de casa, pelo
telefone e atendendo pessoas que entravam e saíam do seu escritório sempre
carregando aquelas malas de executivos.Ele tinha alguns empregados, que também
deixaram a empresa de água do Estado e passaram a trabalhar para ele. Ele era
conhecido como o “rei dos dutos”. Ela não sabia o que isso significava, nem
ninguém lá no meu bairro sabia.
O mais engraçado é que ele
vendia “combos”. Essa palavra Jacira já tinha ouvido na televisão, mas não sabia
que tinha a ver com água, pensava que era coisa de filme.O “combo” que ele
vendia tinha a ver com água e com luz. Na região onde ele morava também nunca
faltava luz. Nunca vira também uma conta de luz ou de água chegar pelo correio.
Mas todos os seus vizinhos
ricos tinham piscina e as casas todas iluminadas. Jacira gostava de trabalhar
lá, parecia que todo dia entrava em outro mundo, muito diferente de onde vivia.
Podia tomar o tanto de água que quisesse, lavar o quintal
e os banheiros, as roupas e os carros, sem medo de faltar. E aproveitava para
tomar banho também antes de sair do serviço.
Ela tinha ouvido no
noticiário que havia uma quadrilha desviando água da empresa pública. A polícia
suspeitava que era chefiada por um ricaço, desses que moram em mansões, têm
carros importados na garagem e viajam regularmente para o exterior, assim, como
o Sr. Tobias, seu patrão. Não conseguiam prendê-lo porque ele fazia a fraude com
tanta perfeição que nem a polícia técnica conseguia identificá-lo. Diziam na
igreja que quando isso acontecesse, não sofreriam mais da falta d’água, que era
desviada para servir as mansões. Jacira, apavorada, torcia para que a quadrilha
fosse presa e agradecia a Deus todos os dias por trabalhar na casa do Sr. Tobias,
pois sentia menos a força da estiagem.
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