Vitória Cássia Paliari
E se eu cair? E se eu transformar todos
os olhos expectantes de fascínio lá embaixo em vítimas do pavor? Basta errar um
movimento e vou metamorfosear a arte do trapézio no espetáculo da morte. Que
graça há nisso?
Para quem me enxerga de fora, pareço
confiante. Ninguém adivinharia que, apertada no corset de purpurina dourada e
com as mãos escorregadias de suor — limpá-las não ajuda
em nada, são terrivelmente obstinadas —, estou pensando
no que será de mim se eu cair. Minha carne vai decorar o picadeiro, é claro, e
talvez meu corpo dê uma última estatelada antes do fim —
será que meus ossos triturados irão parar nas manchetes? É possível que eu
resista alguns minutos, e será uma grande frustração quando eu perder
totalmente a cor dos vivos dentro da ambulância, as sirenes fazendo ióióió, a menina virou pó. Vão me enterrar ao lado de estranhos, como
acontece com os desafortunados de todas as naturezas, mas quem sabe São
Filomeno tenha piedade da minha alma e a presenteie com bons amigos no outro
lado. Se eu cair, esquecerão o episódio daqui a dois meses e seguirão suas
vidas. É assim que o mundo funciona.
Por outro lado, se eu não cair posso
virar uma estrela — minha mãe, os céus a tenham, sempre
dizia que, depois que morremos, viramos estrelas no céu. Mas agora me refiro a
estrelas na Terra. Serei eu a brilhar
nas capas de revista, meus turvos olhos amarelados e sobrancelhas tortas
dominando o mundo. Vou reinventar a gravidade como a maior trapezista de todos
os tempos, vou rir para os flashes, ter uma coruja de estimação e nunca mais
vou passar fome. Mais ninguém vai rir de mim, a não ser que eu deixe. Serei
eterna para sempre. Se eu não cair,
poderei lutar. Talvez até me apaixone — não seria
maravilhoso? Oh, sim, seria! Justo eu, que nunca fui vista como algo além de um
pequeno objeto torto e leve, bonita de longe e carismática de perto. Sim,
definitivamente eu mereço mais! É assim que o mundo deve funcionar.
Com os olhos concentrados e as mãos
apertadas ao redor da barra de ferro, dou o primeiro impulso. Não há chão sob
meus pés — estou mais perto de Deus do que qualquer um
presente. Meu corpo desenha curvas no ar e um par de mãos fortes me leva para o
outro lado. Sorrio, vendo resquícios de purpurina dourada caindo, e o medo se
dissipa quando o enfrento de novo, tantas e tantas vezes que não consigo parar.
Até que...
Minha palma suada escorrega.
E se eu sobreviver?
Pobre moça! :( Conquistou a minha simpatia. Espero que tenha sido feliz. (Nesta ou na outra vida.)
ResponderExcluirGostei!
ResponderExcluir