Leonel Rosa
Vinte e duas horas. Quando a jovenzinha entra no bar lotado, poucos olhos a acompanham. Mesmo trajando roupas de adulto, parece não despertar tanta atenção. De cabeça baixa, a cândida menina caminha até uma das mesas e para em frente a um cinquentão rodeado de garrafas vazias. Ele levanta o rosto, e esfrega os olhos como se estivesse com dificuldade em reconhecer a menina. “É você, Dulce?”, diz, com a voz enrolada. “Isabela. Sou a Isabela. Hoje é a última vez”, responde a menina, pacientemente.
Sob protestos, ele enrosca-se no braço dela e os dois saem, sumindo na escuridão.
Em meia hora alcançam o barraco de dois cômodos e um banheiro, onde cortinas penduradas em cabos de vassoura servem de porta. Ela põe-se a cuidar do cinquentão rabugento. Sem demonstrar qualquer pudor, enfia-o pelado embaixo do chuveiro e depois lhe troca as roupas fedidas de bar. Serve-lhe uma sopa quente, que ele engole com avidez. “Por que está vestida assim?”, o homem pergunta, entre uma colherada e outra. Calada, Isabela continua absorta em seus afazeres. “Quer me torturar?”, o homem põe-se a censurá-la. “Por que usa essas roupas grandes?”.
“Pare, por favor. Não aguento mais!”, ela explode, com voz esganiçada. “Chega de pinga. Sempre essa bebedeira, de manhã à noite.” Ela enfrenta o homem como adulta. “Já tem seis meses esse inferno, desde que a mamãe se foi. Virou rotina eu ir buscar o senhor no bar todos os dias. Só tá piorando a nossa vida desse jeito. Até com o colégio eu parei”.
“Ah, vai me afrontar? O que uma pirralha que só viveu treze anos, feito você, entende de vida?”. Antes que ela responda, lhe desfere uma violenta bofetada.
Chorando, Isabela refugia-se no quarto. Frente ao espelho, levanta a parte frontal da blusa e a enrosca na gola. Põe as mãos na cintura, gira, olha várias vezes a nova silhueta. Segura os seios e faz um comentário para si, espantada. Passa a mão na barriga, analisa cada nódulo, cada saliência. “O que você entende de vida...”. O motejo soa insignificante, um desdenhoso arremedo, possivelmente não mais que um desprezo ao padrasto do que realmente uma asserção.
Isabela permanece algum tempo se analisando. Talvez vestida com as roupas da mãe fique demasiadamente parecida com ela; ou o padrasto imoral veja na própria enteada a companheira perdida. Lentamente, despe cada peça de roupa enquanto murmura sua decisão: “Hoje é a última vez”.
Então, a menina-mulher retira algo parecido com uma filmadora de sua mochila de ursinho e ajeita com cuidado. Deita-se nua na cama e parece esperar pela última noite de abuso do homem bêbado no outro lado da cortina, que lhe roubou a inocência faz três meses.
Enquanto aguarda, uma luz vermelha pisca intermitente, quase imperceptível, em meio às roupas bagunçadas do armário.
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