- Alguma
coisa ruim vai acontecer!
Minha
mãe era assim, sensível. Na verdade a
palavra que a definia bem é sensitiva. Ela tinha dessas coisas e quando cismava
que algo ruim estava para acontecer era certo; acontecia.
Quando
meu tio Antonio morreu em um acidente de carro minha mãe o alertou, ou melhor, o
alarmou durante uma semana. Ela teve um presságio. Certeza de que algo muito
grave ia acontecer ao seu irmão gêmeo na estrada. Ele ria, tentando disfarçar o
incômodo, e dizia:
- Isso
é excesso de zelo.
Tio
Antonio era caminhoneiro. Naquele dia quando voltava do Rio para São Paulo, seu
caminhão bateu de frente com outro caminhão que transportava combustível na via
Dutra. Houve uma grande explosão, segundo os jornais. Naquele instante minha
mãe foi sacudida por um calafrio. Ela largou a máquina de costura onde
trabalhava e saiu gritando pela casa.
- Toninho morreu!
Horas
depois um telefonema confirmou a previsão de minha mãe.
Coisas
ruins acontecem todos os dias em todos os lugares do mundo, de modo que dizer
isso é apenas repetir mais do mesmo. Entretanto, todos nós passamos a
considerar às premonições da minha mãe depois do episódio fatal com o tio
Antonio.
Seu
dom não era nenhum poder sobrenatural ao ponto de fazer previsões
sensacionalistas sobre a vida de gente famosa como artistas de televisão, cantores,
ou políticos. Nada disso. Ela só desenvolvia essa sensibilidade quando algo de
ruim estava para acontecer com alguém da nossa família. Quando ela repetia a
sua indefectível frase a família toda ficava em estado de alerta e todos se
perguntavam: quem será a próxima vítima da Antonia?
Minha
mãe não se recuperou da morte do seu irmão. Ela deixou de ser a mulher
divertida e comunicativa que sempre foi e passou a ser uma pessoa arredia e
soturna. Um ano após a morte do meu tio ela voltou a ter suas premonições. Ela
voltou a ficar inquieta novamente. Andava pela casa toda preocupada buscando
identificar quem da família estava correndo risco de morte. Eu e meus irmãos - somos
quatro - morríamos de medo da minha mãe quando ela ficava assim. Era como um
fantasma andando pela casa. Meu pai ficou tão preocupado que ameaçou interná-la
caso ela não desse um jeito de por um fim àquele absurdo.
Mamãe
se defendeu dizendo que ele poderia até interná-la, se quisesse mesmo assim não
deixaria de sentir que algo de ruim estava para acontecer com um membro da
família. Mas desta vez era diferente, ela não conseguia visualizar com certeza
quem seria a vítima daquele presságio ruim.
A
cada dia que passava a situação da minha mãe só piorava. Ela não conseguia
dormir e também não deixava ninguém dormir. Ficava andando pela casa a noite
toda. Ás vezes ela entrava no nosso quarto e ficava do nosso lado nos olhando
enquanto dormíamos. E chorava até meu pai chegar e levá-la de volta para o seu
quarto, onde continuava chorando. Uma noite eu vi minha mãe parada no meio do
quarto. Chorei junto com ela.
Meu pai, na verdade, não sabia mais o que
fazer para amenizar o sofrimento da minha mãe. Ele sugeriu levá-la ao médico. Ela
retrucou e disse que não seria necessário. Tão logo ela pudesse ver quem seria
a vítima de tais pressentimentos ruins tudo aquilo passaria. E ela teria paz
novamente. Meu pai concordou, mas chegou a cogitar a possibilidade de minha mãe
ter rompido o fio tênue que separa a razão da loucura.
O
aniversário dela seria por aqueles dias. Mamãe estava para completar 40 anos. E
toda a família se empenhou em fazer uma grande festa. Na noite anterior ao seu
aniversário enquanto todos nós estávamos ocupados com os preparativos da festa
minha mãe se recolheu ao quarto mais cedo. Ela não se sentia muito bem.
Então nós ouvimos o barulho. Um estampido seco
vindo do quarto. Toda a família correu. Meu pai foi na frente. Quando ele abriu
a porta minha mãe estava caída sobre a cama. Uma enorme mancha de sangue
molhava sua blusa na altura do coração. O revólver 38 pendurado em sua mão ainda
fumegava pelo disparo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário