- Raiva. É só
o que eu sinto, muita raiva!
- Que bom!
Finalmente você está reagindo.
- Você não
entende. É uma raiva imensurável e quanto mais eu penso, mais nojo eu sinto. É
repugnante - disse Amanda, levantando-se da banqueta em frente ao espelho e
começando a andar de um lado para o outro no quarto.
- Concordo. É
mesmo repugnante. Isso já foi longe demais, durou tempo demais. Sempre me
perguntei o que seria preciso acontecer para que você resolvesse agir –
encostada na penteadeira, Helena encara Amanda esperando uma resposta.
- O que
aconteceu essa noite. Era isso que faltava para que eu tomasse uma atitude. Foi
degradante.
- Venha, sente-se
aqui. Ainda não terminei – Helena amparou Amanda pelos ombros e a fez sentar-se
novamente. – Tudo que vem acontecendo aqui durante todos esses anos, Amanda,
sempre foi degradante. Nunca entendi como você suportou. Não sei como eu não
fiz nada para evitar essa barbaridade.
- Você não fez
nada porque é minha amiga e eu pedi que não fizesse – esclareceu Amanda,
respirando fundo enquanto o corte em sua testa recomeçava a sangrar. – Droga.
- Acho que vai
ser preciso suturar – Helena limpou novamente o ferimento e pediu que Amanda
recolocasse o saco de gelo para estancar o sangue. – Onde está a gaze?
- Não sei.
Acho que acabou.
- Amanda, por
favor, não vá fraquejar agora. Aproveite esse surto de indignação e vamos logo
fazer a denúncia – decretou Helena observando a amiga que parecia relutar
consigo mesma como já fizera tantas vezes e por fim sempre acabava desistindo.
Mas ela não deixaria que isso acontecesse dessa vez. Se Amanda desistisse de
denunciar o marido, ela mesma o faria. Já estava farta da inércia de Amanda.
- Helena, eu
já disse, você não entende. A raiva que estou sentindo não é de Ricardo. É de
mim mesma.
- Você está
louca? – irritou-se Helena. – Olhe para você, está com um corte na testa e
escoriações nos braços. Isso sem falar nas agressões verbais.
- Você sabe
que o ferimento na testa foi causado quando bati a cabeça na quina do aparador
e...
- Você está
querendo justificar o comportamento de Ricardo?
É isso, Amanda? Mais uma vez é isso que está tentando fazer? – sem dar
tempo para que a amiga respondesse, continuou: - Você bateu a cabeça porque
Ricardo a empurrou e isso, depois de ter lhe agarrado pelos braços e a sacudido
tanto que eu pensei que sua cabeça fosse despencar do pescoço. E tudo isso,
apenas porque você esqueceu-se de comprar o uísque que ele gosta e por ter se
atrasado no preparo do jantar.
- Esse era um
jantar importante e eu...
- Amanda, o
Ricardo está cada vez pior. Antes, ele ainda disfarçava bem na frente de outras
pessoas, mas hoje seu descontrole foi além da conta. Fiquei preocupada quando
vi que ele pediu que você o acompanhasse um instante até o quarto e por isso
resolvi vir atrás de vocês. Não sei o quanto os convidados ouviram das
besteiras que ele gritava para você, mas quando percebi, seu pobre pai estava
atrás de mim e sinceramente não sei exatamente o que ele viu, mas sei que ele
ficou desesperado quando notou o sangue escorrendo de sua testa.
- Essa foi a
pior parte – Amanda murmurou. – Obrigada por acalmá-lo e tentar salvar as
aparências. Mas sei que ele não acreditou em nada do que você disse e tenho
medo do que ele possa fazer contra Ricardo.
- Amanda, você
está preocupada com Ricardo? Não posso acreditar nisso – Helena estava cada vez
mais revoltada com a amiga.
- Eu não estou
preocupada com Ricardo, mas sim com o que ele pode fazer contra o meu pai se
por acaso se sentir ameaçado por ele.Tenho que impedir isso. Não posso permitir
que a vida de meu pai corra perigo.
- Mais um
motivo para você denunciá-lo. Vamos agora mesmo para a delegacia, Amanda. Antes
que Ricardo volte, ou antes, que você desista mais uma
vez – desesperou-se Helena.
- Já disse,
temo pela segurança de meu pai. Ele é tudo que tenho. Minha única família, e
Ricardo já deixou claro várias vezes que não hesitaria em acabar com a vida
dele caso eu sequer pensasse em denunciá-lo para a polícia ou para quem quer
que seja – enquanto Amanda falava, uma ideia emergia e ganhava força em sua
mente. Para colocá-la em prática, precisava se livrar de Helena, por isso,
fingiria que concordava com ela.
- Amiga, você
não está sozinha. Pensaremos num jeito de proteger o seu pai, mas você tem que
denunciar Ricardo. Ele não pode continuar tratando você dessa maneira e ficar
impune – Helena queria ajudar e proteger Amanda e se afligia por não conseguir
convencê-la a delatar aquele canalha. Amanda ficou em silêncio e por algum
tempo, o único som que se ouvia no quarto era o zunido dos insetos noturnos que
perambulavam pelo jardim e chegava até elas através das janelas abertas.
- Você está
certa – Amanda apenas murmurou, mas pareceu um grito aos ouvidos de Helena, que
estava tensa demais a espera de alguma reação por parte de Amanda. E antes que
a amiga mudasse de ideia, já foi logo pegando as bolsas das duas e se dirigindo
para a porta.
- Finalmente,
amiga – disse, aliviada. - Vamos?
- Pode ir
ligando o carro, Helena. Eu já desço em seguida. Vou apenas lavar o rosto e
trocar essa blusa sujade sangue.
- Então fico
aqui com você e descemos juntas para a garagem – se ofereceu Helena.
- Não precisa.
Sério. Não vou desistir. Apenas preciso de alguns minutos sozinha. Só isso –
garantiu Amanda, tentando soar convincente.
- Está bem.
Mas não demore se não volto aqui pra te buscar.
- Não vou
demorar – garantiu. E no instante em que ficou sozinha, dirigiu-se ao closet e
encontrou a arma que sabia que o marido mantinha escondida na última prateleira
da parte superior. Era o único jeito de proteger o pai e acabar com aquele
tormento. Até mesmo Helena corria perigo. Ricardo ameaçara várias vezes acabar
com todos que Amanda amava. Colocaria um ponto final em tudo aquilo.
- Graças a
Deus, Amanda criou juízo – Helena falava consigo mesma enquanto manobrava o
carro e estacionava em frente àentrada principal da casa. Ouviu um estampido e demorou
alguns segundos para identificar a origem daquele barulho. Olhou para a janela
do quarto de Amanda e um calafrio atravessou-lhe o corpo.
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