Denúncia


 Denise Pedrini

- Raiva. É só o que eu sinto, muita raiva!
- Que bom! Finalmente você está reagindo.
- Você não entende. É uma raiva imensurável e quanto mais eu penso, mais nojo eu sinto. É repugnante - disse Amanda, levantando-se da banqueta em frente ao espelho e começando a andar de um lado para o outro no quarto.
- Concordo. É mesmo repugnante. Isso já foi longe demais, durou tempo demais. Sempre me perguntei o que seria preciso acontecer para que você resolvesse agir – encostada na penteadeira, Helena encara Amanda esperando uma resposta.
- O que aconteceu essa noite. Era isso que faltava para que eu tomasse uma atitude. Foi degradante.
- Venha, sente-se aqui. Ainda não terminei – Helena amparou Amanda pelos ombros e a fez sentar-se novamente. – Tudo que vem acontecendo aqui durante todos esses anos, Amanda, sempre foi degradante. Nunca entendi como você suportou. Não sei como eu não fiz nada para evitar essa barbaridade.
- Você não fez nada porque é minha amiga e eu pedi que não fizesse – esclareceu Amanda, respirando fundo enquanto o corte em sua testa recomeçava a sangrar. – Droga.
- Acho que vai ser preciso suturar – Helena limpou novamente o ferimento e pediu que Amanda recolocasse o saco de gelo para estancar o sangue. – Onde está a gaze?
- Não sei. Acho que acabou.
- Amanda, por favor, não vá fraquejar agora. Aproveite esse surto de indignação e vamos logo fazer a denúncia – decretou Helena observando a amiga que parecia relutar consigo mesma como já fizera tantas vezes e por fim sempre acabava desistindo. Mas ela não deixaria que isso acontecesse dessa vez. Se Amanda desistisse de denunciar o marido, ela mesma o faria. Já estava farta da inércia de Amanda.
- Helena, eu já disse, você não entende. A raiva que estou sentindo não é de Ricardo. É de mim mesma.
- Você está louca? – irritou-se Helena. – Olhe para você, está com um corte na testa e escoriações nos braços. Isso sem falar nas agressões verbais.
- Você sabe que o ferimento na testa foi causado quando bati a cabeça na quina do aparador e...
- Você está querendo justificar o comportamento de Ricardo?  É isso, Amanda? Mais uma vez é isso que está tentando fazer? – sem dar tempo para que a amiga respondesse, continuou: - Você bateu a cabeça porque Ricardo a empurrou e isso, depois de ter lhe agarrado pelos braços e a sacudido tanto que eu pensei que sua cabeça fosse despencar do pescoço. E tudo isso, apenas porque você esqueceu-se de comprar o uísque que ele gosta e por ter se atrasado no preparo do jantar.
- Esse era um jantar importante e eu...
- Amanda, o Ricardo está cada vez pior. Antes, ele ainda disfarçava bem na frente de outras pessoas, mas hoje seu descontrole foi além da conta. Fiquei preocupada quando vi que ele pediu que você o acompanhasse um instante até o quarto e por isso resolvi vir atrás de vocês. Não sei o quanto os convidados ouviram das besteiras que ele gritava para você, mas quando percebi, seu pobre pai estava atrás de mim e sinceramente não sei exatamente o que ele viu, mas sei que ele ficou desesperado quando notou o sangue escorrendo de sua testa.
- Essa foi a pior parte – Amanda murmurou. – Obrigada por acalmá-lo e tentar salvar as aparências. Mas sei que ele não acreditou em nada do que você disse e tenho medo do que ele possa fazer contra Ricardo.
- Amanda, você está preocupada com Ricardo? Não posso acreditar nisso – Helena estava cada vez mais revoltada com a amiga.
- Eu não estou preocupada com Ricardo, mas sim com o que ele pode fazer contra o meu pai se por acaso se sentir ameaçado por ele.Tenho que impedir isso. Não posso permitir que a vida de meu pai corra perigo.
- Mais um motivo para você denunciá-lo. Vamos agora mesmo para a delegacia, Amanda. Antes que Ricardo volte, ou antes, que você desista mais uma vez – desesperou-se Helena.
- Já disse, temo pela segurança de meu pai. Ele é tudo que tenho. Minha única família, e Ricardo já deixou claro várias vezes que não hesitaria em acabar com a vida dele caso eu sequer pensasse em denunciá-lo para a polícia ou para quem quer que seja – enquanto Amanda falava, uma ideia emergia e ganhava força em sua mente. Para colocá-la em prática, precisava se livrar de Helena, por isso, fingiria que concordava com ela.
- Amiga, você não está sozinha. Pensaremos num jeito de proteger o seu pai, mas você tem que denunciar Ricardo. Ele não pode continuar tratando você dessa maneira e ficar impune – Helena queria ajudar e proteger Amanda e se afligia por não conseguir convencê-la a delatar aquele canalha. Amanda ficou em silêncio e por algum tempo, o único som que se ouvia no quarto era o zunido dos insetos noturnos que perambulavam pelo jardim e chegava até elas através das janelas abertas.
- Você está certa – Amanda apenas murmurou, mas pareceu um grito aos ouvidos de Helena, que estava tensa demais a espera de alguma reação por parte de Amanda. E antes que a amiga mudasse de ideia, já foi logo pegando as bolsas das duas e se dirigindo para a porta.
- Finalmente, amiga – disse, aliviada. - Vamos?
- Pode ir ligando o carro, Helena. Eu já desço em seguida. Vou apenas lavar o rosto e trocar essa blusa sujade sangue.
- Então fico aqui com você e descemos juntas para a garagem – se ofereceu Helena.
- Não precisa. Sério. Não vou desistir. Apenas preciso de alguns minutos sozinha. Só isso – garantiu Amanda, tentando soar convincente.
- Está bem. Mas não demore se não volto aqui pra te buscar.
- Não vou demorar – garantiu. E no instante em que ficou sozinha, dirigiu-se ao closet e encontrou a arma que sabia que o marido mantinha escondida na última prateleira da parte superior. Era o único jeito de proteger o pai e acabar com aquele tormento. Até mesmo Helena corria perigo. Ricardo ameaçara várias vezes acabar com todos que Amanda amava. Colocaria um ponto final em tudo aquilo.

- Graças a Deus, Amanda criou juízo – Helena falava consigo mesma enquanto manobrava o carro e estacionava em frente àentrada principal da casa. Ouviu um estampido e demorou alguns segundos para identificar a origem daquele barulho. Olhou para a janela do quarto de Amanda e um calafrio atravessou-lhe o corpo.

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