Ela começou a debater-se durante o sono assim que a
sombra esgueirou-se pelas frestas da janela. A névoa escura deslizou em
silêncio para o piso, deixando um rastro úmido na cortina colorida. Na parede
oposta, o relógio com o rostinho sorridente da Minnie parou de repente, o
ponteiro longo apontando o número 6, o curto entre o 2 e o 3. As violetas no
vaso sobre a cômoda secaram e imediatamente morreram.
A temperatura do quarto caiu abruptamente enquanto a forma sinuosa e
escorregadia serpenteava em direção à cama. Sobre o criado-mudo, a luz do
abajur tremulou, piscou e finalmente apagou-se.
Ana Júlia sentou-se na cama de modo tão brusco e
repentino quanto um boneco de mola, daqueles que saltam de uma caixa de
surpresas e pregam um susto na pessoa. Imediatamente a mancha nebulosa
imobilizou-se, a meio caminho do travesseiro. Sua forma esguia envolvia o pé da
cama em uma espiral pegajosa.
Respirando com dificuldade, Ana Júlia perscrutou cada canto do quarto
mergulhado na penumbra, enquanto o coraçãozinho disparava descompassado no
peito franzino.
― Mamãe! – ofegou, a respiração entrecortada em haustos ineficientes.
Fez menção de descer da cama, mas em seguida rolou os olhos inquietos
pelos cantos mais sombrios do aposento e então recolheu os pezinhos antes que
tocassem o chão.
Gotas de suor gelado brotaram de suas axilas e
riscaram a pele trêmula sob a camisolinha fina estampada com motivos infantis.
― Tem bicho aqui! – tentou gritar, mas a voz não
passou de um fraco gemido.
Foi quando o cheiro pútrido e nauseabundo invadiu
suas narinas. Os olhinhos arregalados voltaram-se na direção do travesseiro no
exato momento em que a criatura se acomodava sobre ele. A anomalia intangível e
semitransparente materializava-se, adquirindo densidade, cor e textura de modo
constante e gradual, mas sem fixar-se em uma única forma definitiva.
A cada mudança, a coisa pulsava e tremeluzia, parecendo ao mesmo tempo
estar e não estar ali, como uma holografia inconsistente projetada por um
aparelho defeituoso. De modo hipnótico, o corpo amorfo endureceu na forma de
uma carapaça espinhenta e áspera, com garras longas e afiadas. Logo depois
transformou-se em uma gorda aranha peluda, com quelíceras triplas que moviam-se
o tempo todo. Em seguida mudou para a forma de uma cobra verde e anelada,
brilhante como o abdômen de uma mosca varejeira.
Um instante mais tarde contorceu-se preguiçosamente
enquanto metamorfoseava-se de modo abjeto em algo gelatinoso, com longos
tentáculos viscosos brotando por todos os lados, olhos multifacetados de inseto
nas pontas e ventosas ventrais que expeliam um muco âmbar visguento.
Depois de um minuto de paralisia o olhar de Ana
Júlia foi atraído pelo olhar funesto da aberração, que a fitava transbordando
malícia e perversidade.
E no exato momento em que ela inspirou o ar, em um gesto instintivo para
encher os pulmões antes de uma nova tentativa de gritar, o demônio a
atacou: entrou por sua boca na forma de uma enorme lacraia marrom, as
dezenas de patas espinhentas abrindo caminho vorazmente através da garganta,
rumo ao ventre da hospedeira que, indefesa, esvaziou simultaneamente a bexiga e
os intestinos enquanto seu corpo estrebuchava em uma violenta e agonizante
convulsão.
Seus membros incharam em poucos segundos, e sua
pele tornou-se imediatamente avermelhada e febril. Os poros começaram a verter
sangue. As pontas dos dedos dos pés e das mãos se romperam com o inchaço
súbito, expelindo sangue e todas as unhas, que ficaram espalhadas sobre a cama
agora imunda.
Os espasmos violentos foram diminuindo até cessar
por completo. Mas o corpo de Ana Júlia estava irremediavelmente arruinado. A
cabeça estufara-se como um balão contaminado. À exceção de alguns fios em
pequenos tufos esparsos, quase todo o cabelo havia caído, expelido pelos vasos
capilares no couro esticado sobre o crânio deformado.
Com um brilho maligno, os olhos esbugalhados
pareciam prestes a explodir ou serem ejetados das órbitas, e já vertiam filetes
de sangue diluído em lágrimas. Sangue e muco também escorriam pelo nariz e
pelos ouvidos.
A voz grave e roufenha protestou pela boca da
vítima:
― Muito apertado aqui dentro! Desse jeito, não vai
durar muito tempo, sua bostinha.
Sentou-se na cama com movimentos desengonçados. Tossiu. Em seguida, um
acesso de vômito com abundantes jatos fez seu corpo dobrar-se para frente em
espasmos violentos.
― Ah, assim está melhor – grunhiu, depois soltou um arroto sonoro e
obsceno – Rápido, precisamos fazer uma visita de despedida a Mamãe-Papai antes
que você se torne completamente inútil – as palavras soaram quase
ininteligíveis, pois a língua intumescida já pendia fora da boca, gotejando
bile e sangue.
Com uma risada gutural, o corpo de Ana Júlia
titubeou desengonçado na direção da porta entreaberta, rumo a uma nesga de luz
que vinha do corredor, seus dejetos escorrendo pelas pernas trôpegas e deixando
um rastro de imundície pelo caminho.
Parou por um instante à porta, agarrou a própria
língua e arrancou-a com um puxão violento, atirando-a em seguida com descaso a
um canto. O músculo caiu ensanguentado e disforme sobre o tapete macio,
como um gigantesco verme morto.
Antes de entrar no quarto onde os pais de Ana
Júlia dormiam, a nefanda figura ainda cambaleou envolta em uma
aura de pestilência até a cozinha e apoderou-se da maior faca que encontrou na
gaveta sob a pia.
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