Por mais que Virgínia olhe, não consegue se reconhecer na
imagem que vê no espelho. A quietude do quarto contrasta com o tremor das mãos
da menina, que temos cabelos loiros desgrenhados e o rosto abatido, com
olheiras escuras, cavadas pelas lágrimas que ameaçam cair mais uma vez. Em sua companhia
só estão as bonecas e os bichos de pelúcia empoeirados, todos em cima da cama,
assim como ela própria.De repente, o rosto de Virgínia se contorce de dor. Ela
leva as mãos à barriga levemente inchada, escondida dentro do vestido grande.
Talvez seja só mais um enjoo.
Um barulho
fora do quarto chama sua atenção. A respiração de Virgínia fica ofegante. Uma
gota de suor escorre da nuca até as costas; a julgar pelo arrepio da pele, o
suor é frio como gelo. Os olhos da menina agora observam a porta velha e
descascada que a separa do mundo lá fora.
Mais alguns
segundos até uma voz grave perguntar:
–Virgínia? O que
é que deu? Fala!
Ela não diz
nada. A voz presa dentro da garganta.
O homem
insiste:
– Virgínia!
Tá me ouvindo? Abre essa porta! Agora!
A porta é
forçada, mas está trancada.Virgínia tapa os ouvidos com força. A voz do homem
parece aumentar seu enjoo.
–Virgínia,
fez o teste que eu te dei? Do jeito que eu te ensinei? Fez?
A voz do
homem soa sufocada, quase sumindo no final. Virgínia olha para a pequena caixa
retangular jogada aos pés da cama e o bastão de cor azul na ponta, molhado de
urina. O azul do bastão lembra a cor do vestido que cobre seu corpo.
– Virgínia,
tô preocupado com você. Só quero o seu bem. Você sabe disso, né? Eu não vou te
machucar! Eu cuido de você sozinho! Sua mãe não tá mais aqui. Somos só nos dois
e você ainda faz isso comigo?
A menina
não responde.
– Virgínia, fala comigo! Você parece
tanto com a sua mãe. Seus olhos, sua boca... e quando põe aquele vestido azul
que era dela... eu me sinto tão só, mas eu tenho você.
A menina
mantém os olhos fixos no bastão molhado. Parece não entender direito o que está
acontecendo.
O homem volta
a gritar, agora mais alto:
– Fala
alguma coisa! Você sabe que a culpa é toda sua! Por que você não faz o que eu
mando, Virgínia? Eu sou sozinho, trabalho o dia inteiro pra te sustentar! Por
que você não tomou o remédio que eu te dei naquele dia? Responde! Fala com o
seu pai!
Mais batidas
fortes na porta. Virgínia levanta da cama e vai até a janelado quarto. Olhando
para fora, parece medir a altura entre o andar onde está e o chão. Há um
sorriso estranho em seu rosto.
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