Náufrago

Sandra de Almeida Silva

Depois daquele dia, Josias nunca mais foi o mesmo homem. Levantou da mesa e iniciou uma caminhada sem rumo. Comeu e bebeu o quanto pôde, dormiu em muitas camas, pediu emprestado e não pagou, passou a jogar. E a perder. Perdeu tudo.

Um dia, subiu num ônibus e foi bater na porta da única pessoa que poderia ajudá-lo: uma tia de meia-idade, irmã de sua falecida mãe. A mulher era boa conselheira, sabia tecer redes com palavras de consolo capazes de alçar qualquer um do fundo do poço. Era assim que ele se sentia, nas profundezas de um sumidouro, sem achar chão sob os pés. Bateu na porta, esperou, bateu de novo, e nada. Desesperou-se. Ela não estava em casa, quem sabe nem morasse mais ali, talvez tivesse morrido. A imagem da tia morta preencheu de cinza o dedal de esperança que Josias ainda conservava. Tanto tempo sem procurá-la, nem dar notícia, e agora ela, sem saber, dava-lhe o troco. Voltou para casa, o suor frio nas mãos, um torpor no corpo todo. Sua última saída tinha se fechado, não precisaria erguer um punho contra si, era só fechar os olhos e esperar. Alguém bate na porta. Josias achou inoportuno o som enérgico das batidas, um desrespeito à sua falta de vontade de viver. Trocou passos até o outro extremo do corredor escuro, agarrou-se ao trinco e abriu uma fresta. Uma nesga de sol forte entrou e iluminou o lado esquerdo do rosto do homem, exposto naquele vão timidamente concedido, cegando por um instante a visão do olho entreaberto. O carteiro entregou-lhe rapidamente um envelope grande e se foi, sem dizer palavra. Josias nem olhou para a correspondência que segurava na mão de cera: largou-a esquecida em cima da mesa, sobre a pilha de jornais velhos, espalhados e nunca lidos. O papel pardo do envelope era como uma tábua boiando no mar escuro, depois de um naufrágio, a espera de algum sobrevivente. Mas Josias já não podia perceber nada, atirou-se para sempre na poltrona velha, no canto da sala, encolhido.

Era uma carta da sua tia Jurema.

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