Campeiro

Evelena Boening

Frio. O minuano mandava. Em cima do cavalo, debaixo do poncho grande, grosso, sem remendos, ia sorrindo e fumando um cigarrinho de palha. Fumo do melhor.

Na beira dum capão, parou, amarrou o cavalo. Bicho bom não pode ficar solto por aí. Entrou no matinho e cuidou pro xixi não sujar as botas já engraxadas para manter o brilho do couro. Aproveitou a parada para tomar um gole de pinga, daquela quase azul de tão boa. Montou, cuidando para também proteger o animal com o poncho. Confortável, continuou a viagem.

Duas semanas antes, ele levara um baita susto. Aquele cadáver não estava nos seus planos. Aliás, não havia cadáver nos seus planos. Tinha medo de assombração e defunto, como todo mundo sabe, dá fantasma. Achou o corpo perto dum riacho. Não viu sangue. Pelo jeito como estava, parecia que sofrera um ataque e caíra do cavalo, que pastava por ali.

No falecido, uma coisa chamou-lhe a atenção: o revólver. Um .38 de dez balas, lindo, brilhante, grande, poderoso, caro. Antes de chegar mais perto, ele rezou um Padre Nosso e uma Ave Maria. Depois, com muito cuidado, pra não alertar a alma do finado, retirou a guaiaca com a arma, assoprou pra limpar e colocou na cintura. Tinha dinheiro. Buscou a montaria do morto, examinou a mala de garupa e gostou: roupa boa, munição, faca de prata. Pegou suas coisas menos velhas e as ajeitou no cavalo .

Fazia tempo que ele não sabia o que era casa, comida na mesa, cama fixa, trabalho garantido. Conhecia muito índio que levava um vidão com roupa, cavalo, churrasco, mulher, tudo de primeira, pagando pouco e até mesmo não pagando. A diferença estava na arma que agora ele também tinha e podia usar pra demonstrar como ele merecia ter tudo o que desejasse, pelo preço que estipulasse.

Com o matungo a cabresto, ele e a sua nova-vida montaram no cavalo dos indiferentes restos mortais perto do riacho.

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