Andanças

Maurem Kayna

Demorou a aprender o português de modo a não provocar perguntas sobre sua nacionalidade toda vez que pedisse uma informação ou o almoço no vegetariano do centro. Mas, tão pronto logrou reproduzir a fala dos locais, arrependeu-se da sutil intervenção cirúrgica que lhe deu tranqüilidade no início. Hoje, pensa que poderia ter sido aceito no cotidiano da cidade sem despertar qualquer suspeita apenas mudando o cabelo e as roupas, talvez o óculos, que era sua marca.

O medo de que o descobrissem era, na verdade, pura paranóia. A encenação da sua morte foi muito convincente até para os mais próximos e o tal Chapman segue na prisão. Tinha um pouco de remorso pela acusação injusta, mas tranqüilizava-se porque de outra forma o fã não teria punição alguma para outros atos hediondos já cometidos. Mark, tão perturbado, talvez até se sentisse agradecido pela chance de poder fazer tamanho favor ao objeto de suas obsessões. Não falou disso quando iniciou as confissões, mas não se negou a contribuir quando a ideia lhe foi apresentada.

Agora já não faz diferença. O passado ficou bem enterrado, está assegurada a fama eterna para o nome de antes e agora tem a rotina sem peso de tocar violão na noite curitibana, entremeando as canções recém criadas com os sucessos que os estudantes ainda se emocionam ao ouvir. Não se arrepende, mesmo que haja noites melancólicas em que lamenta a saudade dos filhos, sabe que há manhãs frias e claras para apoiar os que ainda sonham e protestam. Na mulher nunca mais pensou, aqui já teve muitos outros afetos eternos desde sua chegada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário