Apontamentos de um crime

Meu amigo,

Eu já não aguentava mais tanta treta. Era sempre a mesma coisa. Marina queria dinheiro pro leite, dinheiro pras fraldas, dinheiro pro médico, dinheiro pro gás. Queria que eu fosse junto, que eu pegasse no menino, embalasse o menino, falasse com o menino. Almoçasse com a família, jantasse com a família, tomasse café com a família!

Eu sou um sujeito calmo. Lá no bar todo mundo me conhece. Nem o futebol me altera. Nunca bati em mulher. Até a Janda, que é uma safada, todo mundo sabe, se salvou.
Aquilo era demais! Eu só pensava em acabar com aquela falação, aquela pegação, aquele enjôo.

Não sosseguei até conseguir uma arma e daí, foi na mesma noite. O Chicão, parceiro de pelada, me passou o bufo. Chamei ela lá pros lado do Partenon. Parei numa rua com pouco movimento e não foi preciso dar muita corda. Foi só dizer que não ia na feijoada do sábado. Ela começou o show e eu terminei.

Sr. Doutor,

Não entendi nada. Tudo bem, eles estavam discutindo ou, pelo menos, a mulher estava desabafando, chorando. O homem parecia calmo, contido. Não dizia nada! Passei por lá devia ser mais de meia-noite. Vinha da casa da minha namorada que mora a duas quadras dali. Eu vinha até feliz porque o pai dela tinha ido com a minha cara. Era a primeira vez que nos víamos. A mãe eu já conhecia.

Voltando ao assunto, aquilo estragou a minha noite! Dois tiros! Dois balaços! Sangue por todos os lados, a mulher caída no chão e o camarada e-va-po-rou. Só sei que tinha um casaco preto e umas chuteiras amarelas. Quem é que mata a mulher usando chuteira? E amarela?

Apontamentos

Ele morava num barraco com a mulher e a criança de um ano e meio. Estavam juntos desde a gravidez da mulher. Os vizinhos contam que eles discutiam todas as noites, quando ele chegava em casa meio bêbado. A mulher começava reclamando, primeiro num tom normal, depois gritava e chorava. Ameaçava ir embora com a criança. Era aí que ele se jogava no chão e prometia que nunca mais tocava na pinga.

O Joca, que mora ao lado, já ia adiantando pra Marlene, sua companheira, com uma linha de antecipação, todo o diálogo.

Já eram motivo de gozação na vila. Quando apareciam juntos, sempre tinha um engraçadinho que perguntava: -Então, e hoje, que horas começa? Uma noite, puseram todas as cadeiras do boteco debaixo da janela deles, como se fosse um teatro.

A opinião geral é que a situação estava insustentável. Aquilo ia explodir. Só não se sabia quando, como e onde.

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