João Ninguém

Juciane Speck

João sai de casa às seis. Pão, manteiga e café preto na barriga. João trabalha em obra. É mais um entre outros tantos pedreiros na metrópole que se agiganta. João Ninguém.

No metrô, o obreiro espremido disputa lugar com trabalhadores, que parecem multiplicar-se a cada parada. “Graças a Deus”, é sua vez de abandonar o barco. João segue em direção à obra. O gigante de ferro cresce à sua frente a cada passo. Esqueleto de torre que não é torre, mas é tão alto como se torre fosse.

João, naquele dia, estranhou o movimento ao redor do arranha-céu, movimento de gente famosa, gente arrumada e bonita. Era o moço fotógrafo, que brincava com sua máquina em frente àquela bagunça empoeirada. Cimento e tijolos viraram modelos, não só o prédio, mas seus colegas também. Macacões sujos e caras pretas, assim eles sorriam pra lente. João foi artista naquele dia, sentado entre seus amigos, brincava de ser anjo. Eram os donos da obra e, como bailarinos, nela dançavam com sabedoria de mestres. Tudo se podia, diante do homem mágico, que transformava cada movimento, cada sorriso em um pedacinho de eternidade.

No final do dia, o fotógrafo foi embora, levou consigo toda a alegria, todo o sonho, toda a coragem daqueles artistas desconhecidos. A imagem de João e dos outros correu o mundo. A foto inaugurou uma carreira de sucesso. Muitos prêmios e ansiosas teorias sobre aqueles anjos do céu, que sentados suspensos pareciam ignorar o mundinho de formiga, que seguia lá embaixo.

João acorda às seis. Pão, manteiga e café preto na barriga. João Ninguém.

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