Crime Passional no Beco das Ilusões

Márcio Furrier

Da sucursal: Helena Dias da Silva, 35, foi morta a tiros no Beco das Ilusões na madrugada de ontem, por volta das duas horas da manhã. Testemunhas ouvidas pela Polícia contaram ter presenciado uma discussão entre o casal, que culminou com dois disparos efetuados à queima roupa por um homem ainda não identificado, que fugiu em seguida. Levada à Casa de Misericórdia, Helena não resistiu aos ferimentos. O caso foi entregue ao 5.o Distrito Policial de Aflitos, cujo delegado, Roberto Miranda, encarrega-se das investigações e promete a divulgação de um retrato-falado para o dia de hoje. A suspeita é de crime passional, uma vez que nada foi roubado, segundo o investigador que atendeu a ocorrência.

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Ocorrência comum, infelizmente. Não aguento mais esta vida de investigador, dias e dias remexendo o lixo. Chamado da central, duas da manhã, homicídio. Aquele psicopata devia ter muito ódio da moça. Dois tiros à queima roupa no meio da rua escura, sem chance de defesa. Mulher ainda bonita, seus 35 anos, estirada no meio fio com muito sangue escorrendo, duas perfurações de bala no peito, os cartuchos deflagrados logo ao lado, calibre 38. Nada foi roubado. Segundo a testemunha, o assassino saiu correndo após os tiros, sem maiores cuidados com a cena do crime ou com a possibilidade de reconhecimento. A descrição é de um tipo comum, retrato-falado padrão. Crime passional com certeza, possivelmente causado por ciúmes. Mais um dia para esquecer.

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Esquecer a cena, impossível. A mulher exaltada tentava impor-se ao impassível sujeito de forma quase teatral, seu choro atropelando as palavras. Cena relativamente comum naquele pedaço, mas sempre incômoda. Por via das dúvidas, apressei o passo ao cheiro de confusão. Só olhei para trás quando, do nada, ouvi dois disparos. O homem, revólver em punho, saiu correndo sem olhar para trás. Voltei e vi a mulher, praticamente sem vida. Acionei o socorro por obrigação. Estranho, pareceu-me quase um sorriso em seu rosto.

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Seu rosto não deixava dúvidas, o momento da decisão se aproximava. Após a milésima negativa, novamente ela elencava suas razões. Implorava por uma ação definitiva; não resistiria ao tratamento, à perda dos cabelos e da autoestima, não suportaria as despedidas em pílulas diárias. Eu, perdido em seus olhos puros e suplicantes. Aos poucos, foram vencendo minha fortaleza. Amava demais aquela mulher para vê-la sofrendo. Ao passar o último transeunte, ela se calou, pressentindo que tinha vencido. Adeus, meu amor, te amo.

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Te amo, mãe, esteja onde estiver. Saiba que, ao ler este bilhete, já terei deixado este mundo, porque não suporto mais sofrer e te ver sofrer. Estava muito doente mãe, não tinha como resolver, o doutor disse. Não culpe o Antônio; ele fez o que fez porque pedi muito, foi uma grande prova de amor. Não o denuncie. Pais não devem ver os filhos sofrer, então tome isso como o melhor que pude fazer para poupá-la de uma despedida lenta e dolorida. Para sempre sua filha amada, Helena.

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