Carine Galvão
Cruzei a
Avenida Frederik sabendo que estava sendo seguida. Mas o documento estava fortemente
selado em um envelope pardo, dentro de minha pasta de couro. Eu a abraçava
contra o peito para ter certeza de que seu conteúdo estaria seguro. Olhei para
trás e vi que o homem alto, de capuz, encurtara ainda mais a distância entre
nós. Aumentei o ritmo de meus passos, analisando os arredores à procura de uma
rota de fuga. Assim que virei na Rua do Norte e fiquei fora do alcance de visão
de meu perseguidor, fiz sinal para um táxi que passava e me joguei no banco
traseiro antes mesmo de ele parar completamente. “Para a Embaixada Brasileira,
rápido!”, eu gritei.
Para
minha sorte, o motorista era um daqueles loucos que não tinham tempo a perder,
e o carro saiu cantando pneu e costurando seu caminho por entre os outros
veículos da cidade. Mesmo assim, não demorou muito para eu perceber o furgão
preto que nos acompanhava. O taxista, aceitando o desafio, pisou no acelerador
e nos conseguiu alguns metros de vantagem até que o engarrafamento das cinco da
tarde impediu nossa continuação. Entreguei o dinheiro ao motorista e corri pelas bucólicas ruas de Copenhague, derrubando
alguns ciclistas pelo caminho.
Achei
que estivesse segura, no entanto, o furgão preto estacionou alguns metros à
minha frente e cinco homens de terno e óculos escuros saíram de lá, caminhando
decididos em minha direção. Corri para longe deles e desci os degraus da
estação de Norreport. Embarquei no trem que estava parado na plataforma, na
torcida de que fosse a linha B, que passava pela embaixada mas, antes que eu
pudesse verificar a linha, os homens de preto surgiram na minha frente e eu fui
obrigada a atravessar a porta que dividia dois vagões. Uma a uma, fui
atravessando as composições e escutando o auto-falante anunciar as próximas
estações: Nyhavn, Kongens Nytorv e Vesterport. Não era a linha B, eu precisava
bolar um plano o quanto antes! O trem lotado me ajudava a despistar os
“Senhores Smiths”, mas eu finalmente chegara ao último vagão. Os homens me alcançaram
e, ao me verem, pararam e sorriram para a pasta em meus braços. “ Osterport”, o
auto-falante anunciou. Era a parada mais próxima de minha casa. Sorri de
volta para meus perseguidores e corri para fora do trem assim que as portas
abriram.
Quando
adentrei em minha rua, assoviei o mais alto que pude, mas nada aconteceu.
Tentei novamente, dessa vez, mais forte. Nada aconteceu. De repente, eu o vi.
Correndo pela rua, com seus enormes pêlos balançando de um lado para outro:
Rasmus, meu Golden-Retrivier. Arremessei a pasta em sua direção gritando um
comando que havíamos treinado, ele a pegou ainda no alto e correu, sabendo onde
deveria ir. Quinze minutos depois, eu havia sido capturada, mas o envelope
contendo os planos secretos do grupo terrorista que ameaçava destruir São Paulo
havia chegado em segurança à Embaixada Brasileira. Estava acabado.
- E é
exatamente por isso que nós deveríamos ter um cachorro – falei para meus pais
que, sentados na mesa do jantar, prestavam atenção à minha história
atenciosamente.
- Para
você salvar São Paulo de um grupo terrorista quando crescer? – meu pai
perguntou, servindo-se de mais um punhado de arroz.
- Sim. –
respondi – Ou simplesmente para brincarmos de bola. Isso também serviria.
Narração perfeita e eletrizante. Adorei. Só encontrei um ponto que me causou dúvida: todo esse linguajar sofisticado relatando as ações de uma pessoa adulta, demonstrando conhecimento minucioso de uma cidade estrangeira, no final das contas vinha de uma criança pedindo um cachorro.
ResponderExcluir