E se ele atravessasse a linha?

V.B. Felipe


Esta é uma carta de confissão. Mãe, pai, eu sinto muito. Eu assassinei uma pessoa, uma desconhecida com quem eu jamais troquei uma única palavra. Eu a via todos os dias, voltando do colégio. Todos os dias, no mesmo horário, ela passava por mim como se eu fosse nada. Mas isso não importava, porque ela também era nada para mim. Menos que nada. 

Acho que nunca tive uma ereção tão intensa quanto naqueles últimos segundos em que sua vida expirava sob minhas mãos. E, quando ela finalmente deixou de respirar, eu sabia que nunca mais iria parar. Atravessei a linha imaginária que eu mesmo havia riscado em minha frente quando era apenas uma criança. 

Vocês sempre souberam, não é? Por favor, não se culpem. Eu não poderia ter tido pais melhores. Mas isso não foi suficiente para evitar que eu os odiasse profundamente. Percebem agora? Vocês seriam os próximos. Talvez não agora, talvez não amanhã, mas um dia com certeza. 

Sugiro que vocês liguem para o número que está em cima do criado-mudo antes de seguir adiante. 

Certamente quem atendeu foi uma garota chamada Thaís. Thaís, meus caros, iria morrer amanhã à noite. Estão aliviados? Estão reconfortados? Não fiquem. Finalmente percebi que não conseguiria mais evitar. 

Então, não se sintam culpados. Eu fiz isso por vocês, fiz por Thaís, fiz por cada uma das pessoas que conheço e viria a conhecer. Quero que chamem a polícia e, quando eles chegarem, vão encontrar meu corpo no quarto. Aconselho que não entrem, um cadáver enforcado não é algo bonito de se ver. Eu sei, eu estudei. Era assim que iria matar você, mãe. 

Então é isso. Lembram-sedaquela linha que tracei em minha frente anos atrás? Eu parei em cima dela. Espero que sintam orgulho de mim porque, com este ,ato eu salvei diversas vidas. E alguém que salva vidas só pode ser considerado um herói, não é?

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