O Portão

Raquel Cristina Gervino Gale






Roberto Carlos

Fazia quinze anos que tinha estado na cidade pela última vez. Não teve a coragem de voltar antes, não suportaria a dor que viria à tona.
Lembrava-se de tudo como se o tempo não tivesse passado. O portão de ferro batido, pesado, enferrujado e trabalhado em estilo barroco. O quintal, o pomar, o coreto, o cheiro das roseiras.
Em meio às lembranças e embalado pelo movimento constante do ônibus, pegou no sono. Quando acordou já estava na rodoviária. Desceu procurando um táxi e deu logo o endereço que nunca foi capaz de esquecer.
— Alameda dos Oitis, número 11, por favor.
— Casa da D. Mariana Guerra?
— Isso.
— O senhor não é o Fernando, filho da D. Cássia?
— Sou eu. Nos conhecemos?
— Sou o Torquato. O senhor não lembra de mim, mas eu lembro do senhor. O senhor sumiu!? Mas tá a mesma coisa....
— Obrigado.
Ao virar na Alameda dos Oitis, o motorista não se conteve e entrou nos particulares que ensaiava abordar desde que reconheceu o passageiro.
— O senhor Fernando sabe que D. Mariana nunca mais saiu de casa desde que o senhor foi embora? — olhou o passageiro pelo retrovisor, cobrando resposta.
Fernando ficou calado, desviou os olhos dos do taxista.
— Acho que é doente de tristeza, Sr. Fernando! Vocês formavam um casal tão bonito, pareciam tão felizes. Se o senhor me permite, por que ir embora tão de repente?
— Pois é, Torquato.... É a vida, às vezes é ela que faz planos pra gente. — Avistou o portão se aproximando.  — Aqui está ótimo. Obrigado.— Pagou, despediu-se sem mais intimidades e saiu do carro.
De frente à casa, colocou a mala no chão e sentiu como se nunca tivesse saído dali. Empurrou o portão e o Duque veio recebê-lo. Pulava e abanava o rabo como sempre, só que agora com mais vagar. Abraçaram-se como velhos amigos!
Caminhou lentamente pelo corredor de gardênias até a porta, que estava aberta. De fora, viu a foto do casamento ainda na parede, amarelada pelo tempo.
O clima de dejavù foi quebrado repentinamente pela batida retumbante de uma bola de futebol contra a parede do corredor. Na sequência, um bater de pés barulhento e apressado. Os dois se estranharam e permaneceram imóveis por alguns instantes.O peito apertou e a dor foi lancinante.
— Mãaaae, tem um homem aqui na sala!

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