Sedução

(..) Mas quando eu chego cansado
Teus braços estão me esperando
Lupicínio Rodrigues, Exemplo

Jussara Maria Lucena

Quando o Chico apareceu, de madrugada, trocando as pernas e cheirando à cachaça, eu gelei. Com certeza tinha aprontado de novo. Toda vez que acontece, digo que não aguento mais, que ele não tem mais jeito e que vou me mandar. Mas não resisto quando ele chega perto de mim, beija minha nuca, escorrega os dedos macios pelas minhas costas e fala baixinho no meu ouvido: Me perdoa, Nêga, te juro que esta vez foi a última. Não me deixa, minha deusa; a gente não vai conseguir viver um sem o outro.

E eu acabo ficando. Não pela bela cara dele, não. O Chico é baixinho, esmirrado e até seria feio, não fosse o sorriso. Ah, o sorriso do meu mulato! Começa no brilho amoroso dos olhos e se espalha por todo o rosto. Anda sempre bem vestido, o cabelo preto esticado com gel, uma mecha caída na testa. E só usa sapato bom. É muito carinhoso: me trata como uma rainha. Nunca gritou comigo, nunca levantou um dedo para mim. E fala tão bonito que ninguém diz que ele não tem estudo. O Chico toca violão com mãos de seda, do mesmo jeito que toca meu corpo. E que voz, meu Deus! Quando ele canta a música do Lupicínio, aquela que diz vou buscar água na fonte, lavar os teus pés, perfumar e beijar, amor – olhando para mim como se eu fosse a única pessoa no bar do Maneco, lá na Cidade Baixa -, eu sei que nunca mais vou amar outro homem.

O Chico é eletricista de mão cheia, mas é muito vadio e gastador. Trabalho grande não pega: só bicos. Quando a grana acaba e ele não consegue trabalho, bate carteiras (eu já disse que o Chico tem mãos de seda). Tudo o que eu mais quero neste mundo é que ele largue de roubar. Nem precisa trabalhar muito: eu ganho bem com minhas faxinas, garanto as nossas despesas e até as roupas bonitas dele.


Mas, naquela noite, ele não me abraçou. Sentou ao meu lado na cama e falou, sem me olhar:

- Eu não queria aquilo, Nêga, te juro. Quando puxei a carteira do bolso do velho, ele se deu conta e gritou. Estava escuro, e eu fiquei com medo de que alguém ouvisse. Tapei a boca dele e ele começou a se debater. De repente, afrouxou o corpo e caiu. Sacudi mas não adiantou: ele tinha parado de respirar.

- Chico! Pelo amor de Deus! Tu matou o homem? - gritei assustada.

- Não sei o que aconteceu, não sei mesmo – disse ele, levantando a cabeça. Acho que ele teve um ataque do coração. Do susto, sei lá... - Chico cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar.

Eu estava muda; queria falar, minha voz não saía.

Então, ele chegou perto de mim e me abraçou. Não como um homem abraça uma mulher; mas como uma criança, com medo, procura o colo da mãe. Deitou a cabeça no meu ombro e falou:

- Nêga, me perdoa. Eu tinha te prometido parar. Mas teu aniversário está chegando e eu precisava de grana pra te comprar um presente legal. Jurei para mim mesmo que seria a última vez. Ia ser mesmo, te juro!

Abracei meu Chico com força. Sei que tudo aconteceu como ele disse. Sei, também, que ele não escondeu nada de mim porque tem certeza de que pode contar sempre comigo. E nós dois sabemos que eu nunca vou deixar dele, não importa o que ele faça.

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