Yvonne Morozetti
Eram seis
e quarenta da manhã, Alice levantou sobressaltada. Mais um dia em que seu ideário matutino teria que ser adiado. O
despertador tocara há quarenta minutos e mais uma vez ela desligara e voltara a
dormir. Agora ela teria apenas vinte minutos para se aprontar e estar na
portaria do prédio, distante quinze minutos da estação de metrô que a levaria à
estação de onde partiria o trem para a cidade onde trabalhava. Isso implicaria
ficar em jejum até o horário de intervalo do trabalho. Não é à toa que seu
estômago doía diariamente.
Ela
tinha exatos oitenta minutos para estar diante do relógio de ponto de seu andar
marcando o início de sua longa jornada de trabalho. Sim, há duas semanas ela
estava trabalhando duas horas a mais por dia, compensando as saídas antecipadas
e pontos facultativos decretados em razão dos jogos da copa.
Só de pensar nisso ela se irritava, odiava futebol. Não
queria ter deixado o trabalho para “torcer pelo seu time”. Sem contar que
nesses dias o seu deslocamento era mais desgastante, pois todas as pessoas eram
dispensadas no mesmo horário. Pior, ela
tinha que aturar aquela efusão de alegria, de cantorias, de esperança na
vitória que “tornaria os seus dias menos penosos”, como lhe diziam os colegas
de trabalho.
Sua rotina matutina era toda cronometrada. Além dos quinze
minutos a pé até a estação de metrô, levava cinco minutos até a plataforma de
embarque e, após doze minutos, desembarcava na estação onde pegaria o trem. Mais
cinco minutos até a plataforma de embarque e mais vinte minutos até a cidade
onde trabalhava. Restariam três minutos para chegar ao trabalho e marcar o
ponto no horário.
Mesmo que corresse não seria possível chegar em três
minutos. Num passo acelerado ela costumava gastar doze minutos caminhando. Daí
tinha que pegar o elevador e dirigir-se até o último andar do edifício, onde
marcava o seu ponto. Com muita sorte concluía esse percurso final em três
minutos, quando o elevador estava em funcionamento normal.
A tolerância de atrasos era de quinze minutos por mês, e
ela já a havia ultrapassado, o que significava que teria desconto em sua folha
de pagamento. Tinha a esperança de chegar até o limite de tolerância diária -
de dez minutos -, por força do horário móvel concedido ao pessoal do seu nível.
Naquele dia Alice resolveu encurtar o tempo gasto de sua
casa até a primeira estação. Saiu correndo e, após onze minutos, conseguiu
chegar à estação do metrô. Três minutos depois embarcou no trem que estava fechando
as portas. O próximo passo agora seria desembarcar correndo, chegar à
plataforma para pegar o trem, conseguir sentar-se de modo que pudesse se
maquiar e, finalmente, estar apresentável
quando chegasse ao trabalho.
Chegaria despenteada, é certo, pois teria também que
correr da estação até o prédio onde trabalhava. Mas
ao menos estaria pintada, com corretor de olheiras, blush, rímel, batom e lápis
de sobrancelhas, itens mantidos na sua necessaire.
Agora, já próxima à plataforma,
concentrava seu pensamento no local onde sentaria. Preferia a poltrona do
corredor, daquelas fileiras que continham duas poltronas, situada no penúltimo
vagão, à esquerda, penúltima fileira, de forma a evitar a multidão que preferia
o vagão que parava em frente à escadaria.
No entanto, hoje, como precisava diminuir o tempo gasto
com o deslocamento, teria que entrar no vagão central, descer na plataforma em
frente à escadaria que, após os trinta e dois degraus, a levaria à avenida distante,
na melhor das hipóteses e se fosse correndo, dez minutos do prédio onde
trabalhava.
Ao chegar à plataforma ela correu para o ponto que a
deixaria em frente à escadaria. Dessa vez não poderia postar-se atrás da linha
amarela como fazia habitualmente, pois as pessoas furavam a fila e se colocavam
no primeiro lugar de embarque, sobre a linha amarela. Ela então se postou sobre
a linha e mirava a luz do trem que vinha chegando.
Por uns instantes lembrou-se de uma frase que costumava
dizer às amigas quando lhe diziam que havia luz no fim do túnel. Sim, ela
replicava, certamente é o trem na contramão.
Mal concluiu o pensamento e sentiu um forte tranco em
suas costas e o grito histérico das pessoas ao seu redor, fundindo-se com a
buzina estridente do trem que se aproximava.
Logo hoje que era o dia que ela pretendia começar
diferente, levantando calmamente, a tempo de tomar café, de se maquiar em
frente ao espelho de seu minúsculo banheiro, vestir-se e apreciar o visual em
frente ao espelho do quarto, descer os três lances de escadas que a separavam
da rua e andar calmamente até a estação, pensar calmamente sobre como seria o
seu dia, relembrar o sonho, enfim, logo hoje...
No noticiário da noite, o repórter disse que a jovem fora
empurrada por um louco. Maicon era seu nome. Branco, cabelos castanhos e olhos
azuis. Não portava documentos. Ao ser algemado, disse estar sendo perseguido, que
queriam matá-lo e precisava entrar logo no trem para fugir do homem que o
perseguia.
A jovem morreu na hora. Chamava-se Alice Santana. Tinha
29 anos, era parda, tinha cabelos e olhos pretos. Estava sozinha na estação. A
polícia ia procurar por parentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário