E se o tempo pudesse voltar




Kelly Santos

Se o tempo pudesse voltar, estaria com sete anos de idade em minha casa aconchegante e confortável. Ficaria com o olhar fixo no relógio de parede da cozinha, contando as horas para papai chegar, não sabia olhar as horas naquele relógio, mas decorei a posição exata dos ponteiros só para vê-lo abrir a porta. Mamãe estava sempre ocupada com os serviços do lar e não tinha muito tempo para mim, nosso velho labrador só queria ficar deitado perto do sofá, já estava sem força para aguentar meu pique. Então, ao contrário da maioria das crianças o melhor momento do meu dia era fazer a lição de casa com meu pai, um homem muito inteligente e amável ao contrário de mamãe, ele tornava tudo tão simples e agradável fazendo minha dificuldade desaparecer no momento que sentava ao meu lado para começarmos nossa aventura pelo mundo do conhecimento.

Papai agia de forma diferente comigo, sempre me dizendo o quanto eu era inteligente e capaz de superar todos os desafios em minha vida. Não entendia bem por que falava aquilo e mesmo sem entender aquelas palavras, me sentia a menina mais forte do mundo. Ele encenava todas as histórias e dávamos muitas risadas, mamãe às vezes passava pela porta do quarto e olhava para nós como se estivéssemos loucos. Depois de terminado o dever de casa papai como sempre ia para seu escritório ler o jornal.Lembro de todas as noites chegar o rosto na porta só para vê-lo antes de dormir, como já sabia de minha atitude me olhava por cima dos óculos e sorria para mim.

Um certo dia enquanto tomávamos café da manhã papai me disse que faria uma viagem, pois vovó não estava bem e pediu para ele ir em sua casa, fiquei muito triste, minha lição de casa seria sem graça e sem emoção e como falou que iria demorar uns dias, meu passeio de sábado no parque também seria adiado. Ainda consigo sentir o beijo que me deu antes de sair e o abraço apertado que dei nele, corri para o portão e fiquei olhando meu pai até dobrar a esquina em seu carro novo.


Passado alguns dias voltei a olhar fixo para os ponteiros do relógio até ficarem na posição que já conhecia e mesmo assim papai nunca mais voltou se o tempo pudesse voltar naquela manhã, eu não teria deixado meu pai sair, teria escondido a chave do seu carro ou se isso não fosse possível teria ido com ele. 

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