Todo o esforço do trabalho do meu
velho, como carinhosamente passei a chamar papai na vida adulta, era para pôr
comida na mesa, comprar roupas e, se fizesse hora extra, algum material escolar
para mim e meus quatro irmãos. Terminei o colegial na década de cinquenta, como
de costume haveria uma cerimônia de colação de grau organizada pela escola, mas
financiada pelos pais dos alunos. Toda a pompa da solenidade da formatura não
me fazia falta, mas eu ansiava que papai se orgulhasse de mim. Queria que ele
me olhasse com o mesmo olhar de admiração que contemplava os graduados no
anuário da escola. Daí surgiu a ideia que valeu aquele sorriso!
Era tarde da noite quando eu e o
Robinho, meu melhor amigo de infância, escalamos o muro da escola e pela janela
do pátio invadimos a sala da diretoria. Tiramos do armário duas becas de
formatura e um capelo azul com um pingente de cetim branco na quina. Mãos
trêmulas e corações acelerados, pulamos o muro de volta e corremos para nossas
casas. Na manhã seguinte, reencontrei o meu cúmplice e fomos bater na porta do
único fotógrafo da cidade: "Seu Didi, o senhor poderia tirar nossa foto?
Não temos dinheiro para lhe pagar, mas podemos lavar o carro do senhor e
capinar o seu jardim”. Enquanto esperávamos ansiosos pela resposta, o Sr.
Dimaceno nos olhava desconfiado, com a testa franzida, enquanto eu torcia para
que ele aceitasse a proposta sem fazer perguntas. O medo de ser questionado e
de que toda a história fosse parar nos ouvidos de papai faziam com que meu
coração pulasse tanto quanto na noite anterior.
Fotos batidas, restava agora
retornar as becas sem que notassem que elas passaram um dia fora do armário.
Assim logramos. Respirei aliviado. Quando as fotos ficaram prontas, o Sr.
Dimaceno foi entregar pessoalmente lá em casa e quem atendeu ao portão foi
papai. Só então me dei conta de que não existe crime perfeito. Esquecemos de
pedir segredo ao fotógrafo.
Me escondi atrás da porta com medo
da reação de papai ao ver a fotografia. Eu não conseguia ouvir o que o Sr.
Dimaceno conversava. Mil coisas se passavam pela minha cabeça, inclusive fugir
para não ter que encarar as consequências do que eu tinha feito. Para minha
surpresa, papai sorriu e seus olhos encherem de lágrimas ao me ver vestido de
beca e capelo naquela fotografia. O momento de emoção foi breve, logo veio uma
enxurrada de perguntas e demandas por explicações. Lembro-me do sermão e a dor
do castigo, mas sei que se eu não tivesse roubado a beca, eu não teria visto o
meu velho esconder aquele sorriso de orgulho em nome de sua coerência moral
para repreender o meu mal feito.